sábado, 28 de agosto de 2010

ESCRITORES

                                                     Luiz Hugo Burin
Agosto/2010
Toca a campainha. O intervalo da hora do recreio se transforma num espaço sonoro e agitado. São vozes e correrias alegres, cheias de infância e juventude. Junto à liberdade do momento, a porta da biblioteca se abre num repente, chegando a assustar. O grupo de estudantes entra apressado, devolve os livros já lidos e escolhe outros. Cada um com sua preferência literária vai repassando os olhos nos títulos enfileirados às centenas na prateleiras. Dispostos e ordenados por assunto, facilitam a busca.
A bibliotecária os acompanha de perto e em minutos faz o registro das retiradas. Sempre agitados e barulhentos vão saindo satisfeitos e curiosos na expectativa de desvendar os segredos de cada nova página que irão abrir. Levam outros livros para casa, por onde seus olhos trilharão caminhos no andar de uma boa leitura. Na mente recriarão imagens, comporão cenários, abrirão portas para suas vidas.
Enquanto isso, longe, numa espécie de esforço solitário os escritores seguem pesquisando, numa ênfase criativa de seus eternos sentir. Assim vão, como que saboreando descobertas, num “dar-se conta” agradável, tateando sobre um mar de palavras, escrevendo novo texto. Cobrem páginas e páginas, e assinam a responsabilidade de saber que logo estarão ocupando preciosas horas de muitos leitores.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

PORQUE GOSTO DO AGOSTO

Ivete Tôrres Dorneles

           Vinte e quatro de agosto de mil novecentos e oitenta e nove. Dia ventoso. Passa das cinco horas. A tarde cinza e fria já quase se despede. Na casa o silêncio é absoluto. Já está na hora de ir. Cuidadosamente coloco na valise o pijama de seda, peças íntimas, material de higiene e roupas bem pequeninas. Olho ao redor à procura de algo que possa ter esquecido. Mas tudo que preciso levar já está comigo.

           Numa das mãos a bolsa e na outra uma tv, velha e sem imagem. No ventre, o ser tão desejado.Pego o telefone e chamo um táxi. Abro a porta. Enquanto espero, acaricio meu filho. Só nós dois, meu menino.

           O táxi se aproxima. Para o hospital, seu Eloí. Ao passar pela casa de meus pais reparo que as janelas estão abertas, mas nelas não há ninguém. Melhor assim.

           No trajeto, de certa forma curto, nenhum pensamento ocupa minha mente. Apenas olho as pessoas que andam apressadas, como assistindo a um filme mudo. Sinto-me tranqüila e serena. Já instalada no quarto, deito na cama. E logo o sono chega.

          De manhã sou acordada muito cedo com a movimentação característica dos hospitais. Pela fresta da janela vejo um dia cinza, ventoso e frio. Logo as enfermeiras chegam e me levam para o encontro mais importante de toda a minha vida.

         Lá estavam o cirurgião, assistente, anestesista, enfermeira e o pediatra. Enquanto me operam, a conversa e piadas correm soltas. Até que separam Maurício de mim. Fisicamente, pois sei que não mais nos afastaremos. Acolho meu filho nos braços. Seus olhinhos escuros olham bem dentro dos meus. Bem vindo a este mundo, querido! Meu amor será incondicional e eterno. E o guri pisca para sua mãe.

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       Vinte e cinco de agosto de dois mil e dez. Dormi mal a noite anterior, acordando por diversas vezes.      
       Passa um pouco das cinco horas. Estou ansiosa e agitada. Na casa o silêncio é absoluto. Embora muito cedo, rapidamente coloco as bagagens no carro. Alguns presentes. Um telefone celular, máquina fotográfica, um pedal para o contrabaixo. Fiz a lasanha e o bolo que ele gosta. Mousse de maracujá. As inigualáveis queijadinhas da Biquinha. Mas o que vai agradar mais, certamente, é a camiseta do Inter com o Bi da Libertadores tão suado. Pouco tempo depois, já está na hora de ir.

           Pego a estrada. Escutando Beatles, vou vencendo os quilômetros que nos separam. O dia está ventoso. E a manhã, fria e cinza.
         Com as chaves, que trago comigo, abro a porta do apartamento. E aspiro o perfume que está preso naquelas paredes. Esta é a saudade que eu sinto. Do cheiro.
        Vou até o quarto. Meu filho dorme sereno. Seguro. Ali, bem ao meu alcance. Aproximo-me da cama, e ele pressente minha presença. Abre os olhos. Sorri. E me acolhe em seus braços. Ficamos assim por alguns instantes. Então ele diz no meu ouvido: Oia, mãe!!! Como eu posso te agradecer tudo que tu faz por mim? Tu és a melhor mãe do mundo. Não, tu és a melhor pessoa do mundo.

        Passo a mão no seu rosto. É um homem! Vinte e um anos. Lindo de corpo e alma. Ah! Como tenho orgulho dele! Seu braço forte me envolve. É proteção pura. Meu Pitica sou eu quem tem que agradecer por seres tão especial como és.

      Mais tarde entrego os presentes. Afinal é seu aniversário. E aniversário sem presente não é aniversário.



HORÓSCOPO

                                                  Remaldo Cassol
                              Agosto/2010
 Nos anos 60, na flor da jovialidade, a insegurança era marca dos dias futuros. Em alguém ou alguma coisa precisava-se receber afirmação. O mais pratico e atualizados eram os vespertinos dando diariamente o resultado de seu novo dia.
Não tinha dúvidas. A primeira página a ser aberta era a do horóscopo.
O interessante é que dificilmente vinha algo que não melhorasse o astral. Ou que desse uma esperança, muitas vezes passando despercebida ao longo das horas. Depois procurava logo o da namoradinha para conferir o equilíbrio ou ponderar alguma desavença.
Libra e gêmeos nem sempre combinavam. Mas o amor estava alem do zodíaco e se algo não saísse certo, a culpa era dos astros. O amor era cego.
Certa noite um amigo convidou-me para uma jornada após seu trabalho. Meninas lindas e um bom barzinho. Lembrei-me do horóscopo, será que não vai dar problema? Afinal qual será o meu destino amanhã?
Fomos para o jornal.  Ele, como redator chefe, tinha que fazer a ultima revisão. Permaneci em uma salinha ao lado enquanto eram feitas as correções.
Quase meia noite, últimos minutos para o jornal circular.
Meu amigo gritou: não fizeram o horóscopo? Nem uma voz de retorno foi ouvida.
Não é possível! É uma matéria de muita leitura. Gritando mais alto, chamou-me. Venha cá, pega este lápis e este papel e faça o horóscopo. Respondi não saber. Gritando com as veias do pescoço salientes, afirmou: escreva qualquer bobagem como todos os dias fizemos.
Que desilusão. Todo o tempo acreditando nos astros. E gora quem irá me orientar? Pensei e refleti. Esta chegando o momento de ser eu mesmo. Meus amigos que me perdoem, mas o segredo do horóscopo ficará guardado.

   
                                    

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

UMA NOITE MUITO ESTRANHA

Anna Zoé Cavalheiro

            Mateus pensou que ia explodir. Aquela emoção da vitória depois de uma expectativa tão sofrida! Mas sempre acreditando no time...Com uma pontinha de medo, é claro. E o Inter sagrou-se Campeão da Libertadores da América. Viva!

           A namoradinha procurava contê-lo, impedir que saísse do carro gritando. Mas a euforia foi geral. As ruas de Porto Alegre ficaram tomadas de torcedores colorados portando bandeiras. Parecia um mar de sangue, os uniformes vermelhos e as luzinhas traseiras dos carros na grande carreata.

          - Botou mais gasolina, Lucas?

         - Botei dez pila. Acho que dá. As meninas colaboraram com os refri.

         E os dois casaizinhos puseram-se em marcha seguindo a alegre procissão.

          Aos poucos o movimento de carros foi escasseando, desembocando por outras ruas. Eles se viram sozinhos num trecho deserto, quase às escuras, e o chevetinho dando uns pinotes até parar. Faltou gasolina, disse Mateus. Acho que foi a bateria replicou o companheiro. Que horror, nossas mães vão ficar preocupadas, choramingaram as meninas.

          Aproveitando um grupo animado que passava, Mateus empunhou a bandeira e convidou o amigo para empurrarem o carro. To pagando promessa, gritava, querem me ajudar? E a turma colorada não teve dúvidas. Todos eram irmãos naquela noite da grande vitória. Num instante o carro chegou a um lugar mais seguro. Mas ali ficou.

        Com o galão debaixo do braço e acenando a bandeira do Inter, Mateus saiu em busca de combustível, deixando o amigo de guarda das garotas. Mas os Postos de Gasolina estavam fechados àquela hora, três e meia da madrugada. Ainda bem que ele se formara recentemente em Educação Física e costumava correr à beça.

       Numa esquina ele viu um Papai Noel com camiseta do Inter. Piscou para ver se estava sonhando, mas o “velhinho” lhe perguntou: Passa ônibus aqui? Só se forem suas renas. Posso andar com você? Me perdi da minha turma, viemos de Cruz Alta. Querendo correr, pode.

        E os dois continuaram o caminho à procura de seus objetivos. Chegando na Borges de Medeiros, Mateus orientou o cruzaltense para seguir em linha reta até o Mercado, no Largo Glênio Peres, onde estariam seus companheiros. Com um abração se despediram cordiais.

       Finalmente um Posto aberto. Depois de abastecer o galãozinho, Mateus empreendeu o caminho de volta. Outra surpresa: cadê o carro? Tentou comunicar-se, mas o celular, como sempre, sem carga. Por sorte ligou a cobrar de um orelhão para a namorada. Só um sinal. Ela entendeu e ligou de volta. Aconteceu que o amigo, teimando que o problema era bateria, experimentou empurrar o carro mais adiante.

       Problemas imediatos resolvidos, estudaram qual dos destinos o mais próximo, temendo que a gasolina não fosse suficiente. Venceu o apê da namorada do Mateus.

      O resto da noite ele não soube contar. Simplesmente “apagou” não dando tempo nem que a sua amada estendesse um lençol no sofá. Desabou ali mesmo.

     - Mateus, vem comer pizza aqui na cozinha com a gente.

     Ele só conseguia dizer: Que noite, que noite!

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

"MIL GRACIAS"

Mariane de Macedo

             Passados trinta dias da partida de nosso colega Valton, lembrei que no ano de 2004 estivemos juntos em uma convivência que ainda guardamos na intimidade. Éramos dez colegas: Carlos Alberto, Dina, Francelina, Ivete, Mariane, Mário Eugênio, Norton, Renato, Valton e Zilah, além de Alcy, nosso mestre. Durante as manhãs de sábado líamos nossos textos e ouvíamos os dos colegas, dos quais ficávamos curiosos para saber o desenrolar de cada personagem. Ao término da oficina a coroação do trabalho, que juntos construímos: “Caçapava Contando Histórias”.

            Geralmente formamos um pensamento de que as coisas são por acaso, no entanto o acaso não existe quando se busca algo que é comum. E no nosso caso, o gosto pela literatura, pelo aprendizado, pela leitura permitiu que estivéssemos juntos, por um período de oito meses, formando este grupo.

             Olhei nossa fotografia e senti uma nostalgia e, então fiquei me perguntando. Será que perdemos o gosto pela literatura, aprendizado ou pela leitura? Tenho certeza que não. No entanto, fizemos parte uns da vida dos outros, nos sentimos bem juntos, mas só nos encontramos eventualmente. O que será que aconteceu conosco? Perdemos a sensibilidade? Para responder a tantos questionamentos lancei mão dos sentimentos que me ocorriam.

             O primeiro foi a saudades, de algumas pessoas das quais tivemos um enorme prazer em conviver e, quando foram embora sentimos muita falta, pois gostaríamos que permanecessem conosco, só mais um pouquinho. Segundo, a impotência diante da realidade da vida, que nos convida ao aprendizado, às vezes doloroso, onde não temos tempo de nos despedir dos nossos amores, que partem sem aviso prévio. E o último a raiva, tão difícil de admitirmos, pois sempre a percebemos como ruim*. Ela aparece quando sabemos que todos nós iremos partir e, de nunca estarmos com a mala pronta. Mas será que conseguimos pensar nas coisas que deveríamos fazer antes de partir? tais como: de abraçarmos as pessoas diariamente, de falarmos o quanto necessitamos delas, de não termos vergonha de demonstrar afeto e de ligarmos para aqueles aos quais compartilhamos momentos maravilhosos, como foram os nossos.

            E, ainda, tentando achar resposta a esses questionamentos, peguei o nosso livro “Caçapava Contando Histórias”, e comecei a ler nossas apresentações, mas fiz questão de ler a do nosso colega Valton. Ele começa demonstrando o orgulho de sua origem gaúcha, o amor ao pai que a pouco havia partido. O amor a mãe a qual caracterizava como alguém forte, mas dócil. Além disto, agradece-os pela herança do estudo e de ser gaúcho. Fala dos irmãos, onde cita nominalmente cada um, demonstrando a importância destes em sua vida. Retrata uma personalidade que valoriza a simplicidade e a constância de atitudes. Diz que foi para a oficina com os tentos, mas com o Alcy e os colegas aprendeu a guasqueá-los. “A eles, mil gracias”.

              O Chirú deixou uma bela lição antes de partir, como um sinal para as nossas vidas: de que devemos ser o que sentimos. Ninguém mais que ele registrou tão claramente isto, escrevendo abertamente o que sentia pela família. Seus valores, origem, afeto, construiu uma história curta, mas plena e rodeada de amor.

               E para que a vida, se não for para construir o amor? Este sentimento que aparece em pequenos sinais, como nas palavras faladas ou escritas, gestos, olhares, telefonemas, apertos de mão, beijos e tantos outros. A ti, querido Chirú, que o Patrão velho do céu abra as porteiras e que aqueles que te recebem tirem os seus chapéus, pois o teu sinal respondeu as nossas perguntas. “Mil gracias.”

            *Não existem sentimentos bons ou ruins, pois sentir é saudável. O negativo é o que fizemos com o que sentimos, ou não sentirmos nada.

SEPARAÇÃO

Ivete Tôrres - Março/2009


Esperei vê-lo entrar.
Não poderia sair assim, sem olhar para trás.
Acompanhei seus passos até que o vermelho da camisa desapareceu atrás da porta.
Queria ter dito que sentirei saudade,
que a casa ficará vazia, que preciso dele,
que esta separação vai doer muito e por muito tempo...
Mas disse apenas: tchau Petuxo, te cuida.

Fica com Deus!

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O carro se deslocou.
As lágrimas de meus olhos também.
Sem pedir licença, banhando meu rosto marcado.
Na mente só indagações:
será que fiz tudo que devia fazer por ele?
E agora, que caminhos ele vai trilhar?
O que o mundo vai lhe oferecer?
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Cheguei a minha casa.
A nossa casa!
No quarto vejo uma peça de roupa jogada na cama.
Devagar, como a não querer macular aquele lugar sagrado, deitei.
Abraçada ao cheiro do meu filho!

CERTEZAS

Ivete Tôrres - Verão/2009


Bastou um olhar!
Aproximou, e tomou posse do que sempre fora seu.
O tempo passou...
Bastou novo olhar!
E ele sentiu que nada mais possuía.
Passou o tempo...
E até o fim,
olhar algum jamais voltou a lhe falar.

REENCONTRO

Primeira reunião do grupo dos escritores de romance histórico: Ivete Torres, Luiz Hugo Burin, Remaldo Cassol e Mariane Macedo em 12 de agosto de 2010.

Um desabafo, um chamamento, a afinidade e estávamos juntos novamente. As mudanças físicas foram poucas, mas todas para melhor, as mulheres perderam peso e ganharam maturidade, os homens alguns fios prateados e muito senso de humor. Entre risos e novidades o sentimento de estarmos juntos e compartilhar as experiências dos anos sem escrever. Enfim a decisão de nos encontrarmos semanalmente, renascendo um grupo que tem como objetivo escrever, aprender e conviver.


Aguardamos os outros companheiros dos Romances Históricos.
Carol Souza, Ana Zoé, Norton, Renato, Miriam Macedo e Cassel.