segunda-feira, 22 de novembro de 2010

LARANJINHA

Remaldo Cassol
             Descascava a laranja temporã, dando fim à última fruta da árvore. Atirava a casca nas formigas e o bagaço para o pequeno cão. Silenciosamente recebia o sol em meu rosto como indício da primavera,  mostrando suas flores e pequenos frutos. O meu pensamento estava longe.
            Lembrava-me de um velho pomar com suas frutas beliscadas pelos pássaros que competiam conosco no saboreio da variedade de frutos. Os pêssegos vermelhos com a pele aveludada dando calafrios nos dentes. A maçã com irresistível aroma e sabor. As peras meio rígidas com seu formato tão lindo parecendo uma jarra colorida. E tantas outras frutas que davam uma visão agradável, atropelando o olfato e os olhos. E as uvas com longos cachos dando oportunidade de saborear uma a uma. Longe do quintal uma fruta rara, a romã, com a casca grossa, ao abri-la, grãos avermelhados e unidos demonstrando um potencial de resistência e fraternidade.
         Tudo isso me passou segundos pela minha mente enquanto as pequenas netas brincavam com toda a liberdade, num corre-corre, e ao mesmo tempo com uma carinha de que alguma arte estava sendo preparada.
          Fui até o muro retirar alguns galhos que passaram para o vizinho, jamais pensara que as ameixeiras estivessem me traindo, dando suas frutas no outro lado do quintal.
          Mais uma vez observei o olhar sorrateiro e ao mesmo tempo meigo das netinhas. Algo estava para acontecer, ou já havia acontecido. Continuei distraído olhando o chão, olhando o céu, olhando os pássaros na antena da televisão.
         Quando voltei à realidade, a laranjeira estava praticamente sem frutinhas. As mesmas que eu contava todos os dias, orgulhoso de meu pomar dando as primeiras frutas. Estavam uma a uma estendidas no muro como se fossem adereços de uma obra de arte. A minha fúria foi como um relampejo. Gritei desaprovando o que tinha sido feito.
         — Quem apanhou minhas pequenas laranjinhas?  — o silêncio respondia acusando a pequena — Quem apanhou todas minhas laranjinhas? — gritei novamente.
            Um soluço acompanhado de um principiar de choro respondeu com uma voz causativa tímida e embargada.
        — Nono fui eu e minha prima, também tua neta — me voltei para a outra.
        — Mas como fizeram isto, apanharam todas as laranjinhas?
          O choro foi intermitente. A primeira respondeu com convicção: Todas não, as de cima ficou difícil de apanhar.
          Disfarçando a brabeza e resmungando, saí com as mãos tapando o  sorriso. A outra se desculpou argumentando pensar que as laranjas pequenas para nada serviam. Só as grandes elas comiam, e como não tinha nenhuma, poderia arrancar todas.
            Dei meu perdão logo, embora a palavra, “malvadas” tenha vindo à tona. Logo responderam:
           — Não somos malvadas.
          Ficando para mim uma lição: Apanhamos o que esta embaixo, mais fácil, mas fica crescendo o que não conseguimos destruir.